Empreendimentos de infraestrutura, como grandes usinas, mineradoras ou rodovias, muitas vezes causam algum tipo de impacto à biodiversidade. Por isso, é essencial que as empresas adotem boas práticas de conservação, reposição e replantio para preservar o ecossistema local. “O balanço precisa ser positivo ou, no mínimo, igual”, destacou Cláudio Maia, CEO da Tractebel América do Sul, em entrevista ao Além da Energia.

Cláudio Maia
Na visão do executivo, esse processo é abrangente. “Do ponto de vista da engenharia, a quantificação da redução de carbono é direta. Por exemplo, ao trocar um modelo de geração térmica por um eólico, imediatamente milhões de toneladas de carbono são evitadas. A contabilização disso é automática. Mas, no aspecto de biodiversidade, isso não é tão simples”, explicou.
Para equilibrar essa questão, a Tractebel, que atua na área de engenharia e meio ambiente, e neste ano completa seis décadas de operação no Brasil, desenvolveu uma solução que permite avaliar os aspectos relacionados ao capital natural, com o uso de ferramentas baseadas em modelagem de sistemas ambientais. Elaborada pela área de meio ambiente da empresa, uma das soluções desenvolvidas, por exemplo, é o mapeamento da linha de base da biodiversidade do local do empreendimento, avaliando a sua perda e indicando quais ações precisam ser implementadas para garantir o ganho líquido da biodiversidade.
“Considerando a localização da área do empreendimento, por exemplo, na Amazônia, avaliamos a vegetação local, o tipo de reflorestamento ou tratamento que pode ser dado às espécies que estão lá. Avaliamos também se essas espécies são suscetíveis à ação humana, alterações temporárias durante as construções, entre outros detalhes. Se a empresa não consegue resolver a geração residual de carbono por meio da engenharia, existem opções de compensação, que podem incluir até reflorestamento em outras regiões do país”, afirmou Maia. “Tudo isso é apresentado de forma gráfica e parametrizada.”
Ele acrescentou que o próprio usuário da ferramenta consegue consultar os dados e testar modelos distintos para avaliar resultados antes de definir qualquer ação. “É possível conduzir quase que sozinho as intervenções a serem feitas e ver o impacto no modelo. Mas é claro que números mais refinados e projeções mais longas têm que contar com a consultoria.”
Carbono neutro também é agenda financeira
A neutralidade em carbono também é uma agenda financeira, lembra Maia. Isso porque, cada vez mais, as boas práticas em ESG são levadas em consideração para a formalização de parcerias ou contratos e para a concessão de financiamentos. E isso, conforme o executivo, acontece também em escala mundial, uma vez que o Brasil vem sendo apontado como líder na transição energética.
“Para tanto, é preciso contar com dados confiáveis, que possam ser auditados por uma entidade certificada. Por isso, é fundamental combinar a competência da engenharia com a do meio ambiente para produzir um produto que tenha credibilidade não só para o cliente que está comprando, mas para quem ele vai apresentar depois”, ressaltou Maia. Segundo o executivo, sem uma ferramenta que considere todos os dados, essa equação pode ser de difícil resolução.
A solução da Tractebel conta com a etapa de avaliação da biodiversidade local e modelos preditivos de impactos. Em uma segunda etapa, é preciso refinar modelos de custo para estabelecer as ações necessárias para garantir a biodiversidade. “Empresas que estão fazendo esse trabalho, como a ENGIE, já se anteciparam ao que a COP30 vai anunciar: que não basta ser net zero em carbono, é preciso cuidar de outros aspectos, dentre eles, a biodiversidade”, pontuou.
Desafios
De acordo com Cristiane Vieira, Head de Meio Ambiente da Tractebel, a quantificação das emissões de gases de efeito estufa é um serviço mais antigo prestado pela empresa. A inovação, no entanto, é que a ferramenta atual permite que os empreendimentos estimem o que é necessário para alcançar o net zero. “Uma coisa é saber o quanto a empresa ou um de seus empreendimentos emite, e outra é entender como compensar isso para que essa emissão venha a ser zero. É preciso quantificar o que é emitido, o que é capturado e entender o que falta para que o resultado seja positivo”, explicou.

Cristiane Vieira
Segundo ela, no caso da ENGIE, já havia um inventário pronto. “A questão foi outra: o objetivo foi avaliar o que era preciso fazer, em qual prazo, para chegar ao zero. Então, foi aí que entramos, e é o trabalho que nos diferencia. Avaliamos soluções de plantio, manutenção da chamada ‘floresta em pé’, restauração de vegetação e todas as demais estratégias para que o net zero seja atingido no prazo estabelecido.”
Cristiane destaca que a Tractebel atende a diversos segmentos, como mineração, indústria e grandes obras de infraestrutura, e cada qual tem seus desafios. “Em todos os segmentos, usamos a metodologia do Protocolo GHG para avaliar soluções para atingir a neutralidade.”
Na visão da especialista, um dos setores que apresenta maiores desafios é o de rodovias, pois é preciso avaliar as variações climáticas e as emissões dos veículos que por elas circulam. “Esse tipo de empreendimento emite uma quantidade enorme de gases, em função do transporte, inclusive de cargas”, disse, mencionando que a solução da Tractebel pode ser aplicada em diferentes setores.
Escopo 3 também é desafio
Cristiane destaca que a ferramenta considera os escopos 1, 2 e 3, incluindo fornecedores e os elos finais de cada cadeia. “Neste caso, o grande desafio é o setor de mineração, porque quando vamos para o escopo 3, existe uma quantidade enorme de empresas e atividades envolvidas que emitem gases. Alcançar toda essa cadeia de produção é realmente complexo, mas, mesmo assim, atuamos e conseguimos fazer o cálculo. Muitas vezes, as empresas precisam entrar com pilotos menores para que a análise seja feita separadamente.”
Com a aprovação da Lei 15.042/24 (que regulamenta o mercado de carbono no Brasil), esses processos se tornarão cada vez mais necessários para as empresas. “A partir disso, teremos mudanças de estratégias, com limites de poluição e a necessidade de as organizações serem mais transparentes no que estão fazendo”, reforçou Cristiane.